11.01.2012

Memória do Pão

Tenho amigos na padaria, todo dia estou lá...a gente se diverte no pouquinho de tempo que passo pra comprar.
A gente brinca, transfere alegria...o pão, a barriga vazia, a dona que o pão me passa e a dona que pegava o troco em minha mão. Delas não sei o nome e eu nunca ouvi o meu por lá. Me chamavam de Tarso, personagem doido de uma novela.
Há um tempo, antes de ir pro trabalho, calça, sapato e uns trocados, não tinha outra opção, uma média e dois pães com manteiga na cesta, na esquina, no banco, enchimento, depois buzão.
Quem fazia a operação era o Lôro, só não entendia o quê do apelido. Era baixinho, magro, sempre de boné, tinha o Baixinho como amigo. Se lhes dissessem qualquer bobagem eles sempre deixavam um "hehe", mas o fato é que o Lôro não era loiro e nem repetia o que era dito. Era um baixinho franzino e eu achava o seu trabalho bendito!
O cara era rapirude! Flapuu! Misto, hambúrguer, vitamina, parava pra ver uma mina passando, americano, pão com ovo e chapa sempre esquentando.
Enquanto o tempo passava eu ficava ali, admirando e mais chapa ela ia se tornando.
Falava pra ele:
-Lôro, sacana, vou abrir uma lanchonete: a "Chapa do Lôro!"
Ele sempre deixava: hehe hehe. O Lôro era dinâmico, era um Steve Jobs na chapa, com a espátula, óleo, alface, suco, tomate, estava a todos alimentando, com trampo facilitando o trampo, o negócio não vai pelo cano.
Achava mesmo que aquela habilidade merecia ser remunerada correspondente à sua produção e viajava:
-Lôro, vou ficar barão...e você também! Vai ficar famoso, sacana!! 
E ele sempre:
-Hehe...tô precisando mesmo de uma grana!
Com os pães na barriga, me despedia com um restin do café, melava a camisa quase todo dia, quando corria ao atravessar a rua, motorista de má fé, ao frear ria. Da esquina era a padaria, desde pequeno ali existia, no primeiro andar foi a escola onde fiz o primário, um espaço no meu imaginário, hoje só tem Solidão que de cima sente o cheiro de pão. É o que a vida ensina, a sina, o trabalho, o sustento, alimento pra dar condição pra ter condição de ter alimento. Agora compro pão só de noite, o Lôro vazou, por conta do açoite que sentia na carteira, quase sempre vazia, não recebeu bem pelo o que ele fazia e ao dono fez o que o desaprovou.
Ontem curti lá a nossa Lua, uma boa vista na rua, a chapa tá lá, em boa companhia, mas de manhã eu não empresto minha barriga vazia.

mattos

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